O invisível que pulsa: Isabella Serrano fala sobre escrita, resistência e a potência da literatura de Cordel.
Entrevista à Isabella Serrano, Arte-Educadora na primeira edição das oficinas do Cordel 2.0, por Carlos Vidal.
Em meio a um mundo acelerado, onde histórias são reduzidas a algoritmos, Isa — Arte-educadora, participante do minicurso que deu origem ao Cordel 2.0 — nos convida a mergulhar na criatividade da escrita “invisível entre passado e futuro”. Em uma conversa sincera, ela desvela como a escrita é ato político, o cordel é território de resistência, e as palavras são armas que curam.
Isa, no texto que me encaminhou, você começa dizendo que a escrita “mantém o desejo vivo” e é um “corpo que pulsa”. Como a palavra consegue habitar esse lugar entre o passado e o futuro?
Isa: A escrita é como uma ponte. Ela cria memórias e dá voz às pessoas que vieram antes de nós, mas também flutua no presente e cria narrativas ancestrais. Quando escrevemos, não estamos só registrando: estamos mantendo viva a escrevivência, como diz Conceição Evaristo: a escrita da vivência. — a singularidade do cotidiano de pessoas simples que transformam a realidade e transmitem legados. É o sentimento invisível que traduz as letras para costurar o passado sem deixar de pensar no futuro.
Você menciona o cordel como "território de resistência". Como essa forma poética, nascida da oralidade nordestina, desafia as narrativas dominantes?
Isa: O cordel é fruto da narrativa de pessoas que viveram em situações difíceis como a seca e de um povo esquecido na história do Brasil. Ele não é só papel e rima: é a fome virando métrica, a dor da terra rachada transformada em verso. Enquanto o mundo quer homogeneizar culturas, o cordel grita que o povo voz tem sotaque, tem história, tem cicatrizes. Nenhuma máquina consegue reproduzir a escrevivência inspirada pela escassez.
Você afirma que "escrever hoje é ato político". Como a escrita confronta sistemas que tentam "processar" e "esvaziar" nossas histórias?
Isa: Vivemos a era da otimização onde tudo vira dado, tudo é padronizado para caber em um algoritmo que se preza pela sua eficiência. Quando escrevemos com sentimento, erros, gíria e o português não padrão, estamos confrontando a norma da perfeição estabelecida na sociedade. A norma padrão? Ela é só uma das muitas formas de falar. Nossas histórias não são mercadoria para ser processada; são sementes que brotam no asfalto.
E sobre a identidade cultural estar na "gíria" e na forma única de cada um falar: como acolher isso sem cair na hierarquia do "certo" ou "errado"?
Isa: A língua é viva, é corpo que dança. Quem diz que só um jeito de falar é válido? A norma padrão é importante, sim, mas não pode ser uma imposição que anula a história das pessoas. A gíria das favelas, o "tu" arrastado do sertão, o "nóis" da periferia — tudo isso é expressão da diversidade cultural e linguística da identidade brasileira. Não existe erro, existe existência.
Por fim, você convida o leitor a "recuperar a palavra como arma e cura". Como começar essa jornada?
Isa: Pratique a escuta e a leitura. Escrever é importante, mas olhar pra dentro também. Sua história já está aí, sua escrevivência quer dizer algo ao mundo. Escreva com as palavras que fluem, a escrita acontece e faz lembrar quem você é. Não tema a imperfeição — ela é humana. O cordel, o poema, o diário, o poema no muro: tudo é válido. A cura vem quando deixamos de ser espectadores e viramos donos da própria narrativa.
Isabella assistirá como uma das Arte-Educadora às oficinas para a construção da coletânea na primeira Jornada de Criativa do Cordel 2.0 na península de Itapagipe, e nos deixa com um chamado: “Venha criar narrativas que façam sentido na sua escrevivência. Como diz Mano Brown, minha palavra vale tiro e eu tenho muita munição. E você? A palavra como narrativa.
Seja parte deste Cordel 2.0