Cordel 2.0: Entre Tradição e Tecnologia

Reflexões do Cordel 2.0 ao debate público sobre a ocorrência da Inteligência Artificial.

A produção do cordel, enquanto expressão literária profundamente humana, encontra na Inteligência Artificial (IA) uma ferramenta auxiliar, jamais substitutiva. No projeto Cordel 2.0, buscamos aliar a riqueza da literatura de cordel — patrimônio imaterial brasileiro — aos recursos da Cultura Digital, sem perder de vista a essência criativa que a define.

A criação poética exige três pilares indissociáveis: a vivência subjetiva do autor, a representação simbólica por meio da escrita e a conexão com o território. Esse processo, que a literatura clássica chama de poiesis, é genuinamente humano e insubstituível. A IA, nesse contexto, atua em uma etapa posterior, auxiliando em ajustes sintáticos (como rimas e métricas), mas nunca no campo semântico — as escolhas de significado e intenção seguem nas mãos do artista.

O desafio está em equilibrar a técnica com a autenticidade. Afinal, o cordel não é apenas escrito: é declamado, vivido e sentido. A tecnologia, portanto, ocupa um lugar complementar, reforçando a importância da voz humana como guardiã da tradição e da identidade cultural.

IA como Ferramenta Criativa: Experiências Práticas

No Cordel 2.0, utilizamos a IA generativa como parceira na estruturação técnica dos versos. Por exemplo, ao escrever uma sextilha, solicitamos ao chatbot sugestões de rimas no padrão AABB ou ABAB. A partir das opções geradas, o poeta seleciona aquelas que melhor se alinham à narrativa e à musicalidade desejadas.

Contudo, há desafios. A IA, ao buscar rimas perfeitas, pode sugerir neologismos ou termos que destoam da linguagem “raíz” do cordel. Por isso, insistimos na oralidade como guia: o texto deve ser pensado para ser recitado, carregando sotaques, emoções e a verossimilhança que conecta o público à história.

Antes mesmo do projeto, em 2024, experimentamos essa sinergia em oficinas como “Escrita Criativa em Tempos de IA”, na Bahia. Um exercício revelador consistia em descrever um sentimento com um substantivo e dois adjetivos, sem nomeá-lo diretamente. A IA tentava adivinhá-lo e, mesmo sem acertar, ampliava o repertório simbólico dos participantes, revelando camadas ocultas em suas próprias palavras.

Como destacou o professor Arnaud Soares de Lima Jr (UNEB):

“Com o advento da IA, não se deve apenas enfatizar as infinitas possibilidades tecnológicas, mas também reconhecer o dinamismo criativo inerente ao ser humano, que sempre existiu”. (Fonte: Repositório Zenodo)

Qualificação Mestrado IA generativa na Educação: PPGEduC UNEB / Janeiro 2025

IA na Arte Literária: Tendências, Resistências e Reflexões

Em Salvador como outros lugares do Brasil e fora, percebemos uma resistência significativa ao uso de IA entre artistas. A desconfiança é legítima: a tecnologia desafia noções de autoria e direitos autorais (Lei 9610/1998), além de gerar debates éticos sobre até onde máquinas podem interferir na criação.

Por outro lado, o Cordel 2.0 mostra que é possível integrar IA de forma transparente e ética. Nossa Antologia de Literatura Popular — primeira obra com ISBN registrada por 29 autores usando IA como auxílio — documenta cada etapa do processo, garantindo que a tecnologia sirva à arte, nunca ao contrário.

O historiador Yuval Noah Harari, em Nexus (2024), alerta sobre o risco de a IA tomar decisões que cabem aos humanos. Na cultura, esse risco é ainda mais delicado: substituir a escolha artística por algoritmos esvaziaria a conexão afetiva com o território, essência da literatura popular.

Cordel 2.0 e o Futuro da Cultura Digital

O projeto, realizado via Lei Rouanet, foi trazido pelo Ministério da Cultura e apresentado pelo Instituto Cultural Vale, este propôs um novo olhar sobre a relação entre analógico e digital. Em abril de 2024, Sam Altman (CEO da OpenAI) resumiu três perfis de uso da IA:

  • +50 anos: ferramenta de pesquisa.

  • 30-40 anos: conselheira para decisões.

  • Jovens: sistema operacional do pensamento.

Diante desse cenário, o Cordel 2.0 surge como uma ponte crítica. Ao resgatar a Tradição e combiná-la à Tecnologia.

O Cordel 2.0 não é apenas um projeto, é um movimento que amplifica vozes muitas vezes silenciadas. Trata-se de uma tentativa honesta e crítica em que pela via da Arte, a Literatura Tradicional do Cordel (Patrimônio Imaterial pelo IPHAN, 2018) contribui com sua riqueza na emergência dessa sociedade Digital e automatizada pelas Inteligências Artificiais.

Acompanhe as redes sociais do Cordel 2.0 e mergulhe nessa inovação literária! @Cordel2pontozero

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